Incoerência Parental e Comportamentos Desafiantes: O Preço da Inconstância nos Limites
- Viviana Marinho

- 20 de out.
- 3 min de leitura
A família é o primeiro grande laboratório de aprendizagem da criança. É em casa que os limites, as regras sociais e a capacidade de autorregulação são construídos. No entanto, se este laboratório não tiver regras claras e consistentes, o resultado é, muitas vezes, a manifestação de comportamentos desafiantes por parte da criança. A incoerência parental surge, assim, como um dos maiores fatores de risco para a emergência e manutenção destes comportamentos.
O que é a Incoerência Parental?
A incoerência parental ocorre quando há uma falta de consistência na aplicação das regras e das consequências. Não se trata apenas de os pais discordarem ocasionalmente, mas sim de uma inconstância crónica que pode manifestar-se de várias formas:
1. Incoerência Temporal (Mudar de Ideia): Quando uma regra é aplicada num dia ("Não podes ver televisão antes de fazer os trabalhos") e, no dia seguinte, é ignorada ou alterada ("Hoje podes ver, mas só por um bocadinho").
2. Incoerência Inter-parental (Regras Diferentes): Quando um dos pais diz "Não" e o outro, em seguida, diz "Sim" à mesma situação, ou quando cada um tem um conjunto de regras diferentes.
3. Incoerência por Exaustão (Ceder ao Desafio): Ocorre quando o adulto, perante a birra ou o protesto da criança, cede a um "não" inicial apenas para evitar o conflito ou porque está cansado.
O Impacto na Mente Infantil: Falta de Previsibilidade
A criança pequena não tem a capacidade de processar a lógica da inconstância. Em vez disso, ela tira uma conclusão muito simples, mas poderosa: "A regra não é uma regra. A regra é uma negociação."
Quando o ambiente familiar não é previsível, a criança sente uma profunda insegurança. Ela não sabe o que esperar e, por isso, não desenvolve uma base sólida de confiança no sistema de regras.
1. Confusão e Ansiedade: A falta de limites consistentes gera confusão sobre o que é aceitável. Esta incerteza traduz-se em ansiedade, que, por sua vez, pode levar a uma maior impulsividade e dificuldade em regular as emoções.
2. Aprender a Testar o Limite: A criança, de forma instintiva, aprende que a única maneira de descobrir qual é o verdadeiro limite é testá-lo repetidamente e com maior intensidade. O comportamento desafiante (birras mais longas, gritos, recusa) é a ferramenta que a criança usa para procurar o ponto de rutura, ou seja, o momento em que o adulto vai ceder.
3. Dificuldade de Autorregulação: Se a criança nunca é obrigada a lidar com a frustração de um "não" firme e consistente, ela nunca desenvolve as competências necessárias para se autorregular. Aprende que o seu comportamento é a forma mais rápida de mudar o ambiente a seu favor.
Da Incoerência ao Comportamento Desafiante
A incoerência parental cria um ciclo vicioso:
1. O adulto impõe um limite de forma hesitante ou por pouco tempo.
2. A criança desafia com um comportamento intenso (birra).
3. O adulto cede para que a birra termine (reforço negativo para o adulto, reforço positivo para a criança).
4. A criança aprende que o comportamento desafiante funciona e repete-o da próxima vez com maior intensidade.
Estratégias de Consistência para a Paz Familiar
A boa notícia é que a consistência é uma competência que pode ser aprendida. Para reverter este ciclo, os pais devem:
Comunicação Conjunta: Os pais devem sentar-se e estabelecer uma lista de cinco regras cruciais e as suas consequências. Estas regras têm de ser aplicadas por ambos, da mesma forma e no mesmo momento.
Limites com Afeto: Dizer "Não" com firmeza não significa fazê-lo com raiva. É possível validar a emoção da criança ("Eu percebo que estejas zangado por não poderes comer doces agora"), mas manter o limite ("Mas a regra é que os doces só se comem à sobremesa").
O Poder do "Sim Sim, Não Não": Uma vez que o limite é estabelecido, ele não pode ser negociado. A melhor resposta ao desafio deve ser silenciosa (sem alimentar a discussão) e firme, com a aplicação imediata da consequência.
Ao fornecer um ambiente seguro, previsível e consistente, os pais não estão apenas a reduzir comportamentos desafiantes, estão a conceder à criança as ferramentas essenciais para a sua autonomia, resiliência e sucesso social. O limite consistente é o maior ato de amor e segurança que pode oferecer.


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