Como Construir Regras com as Crianças de Forma Participativa: Fomentando a Autonomia e a Responsabilidade
- Viviana Marinho

- há 4 dias
- 3 min de leitura
Da Regra Imposta à Regra Internalizada
Tradicionalmente, a gestão do comportamento assenta na imposição de regras verticais, onde o adulto decide e a criança obedece. Contudo, esta abordagem nem sempre promove a internalização da norma ou a responsabilidade moral. A construção de regras de forma participativa – um princípio fundamental do Estilo Parental Democrático – transforma o clima familiar ou de sala de aula, movendo a criança de um mero recetor de ordens para um participante ativo na definição do seu próprio ambiente social.
Quando as crianças participam na criação das regras, estas deixam de ser vistas como imposições arbitrárias e passam a ser entendidas como contratos sociais negociados, essenciais para a convivência e segurança mútua.
I. A Base: Porquê o Modelo Participativo?
O modelo participativo é crucial para o desenvolvimento cognitivo e emocional da criança, porque:
Desenvolve a Moralidade: Estimula o raciocínio moral. A criança não obedece por medo de punição, mas por compreensão da necessidade (moralidade autónoma, segundo Piaget).
Fomenta a Autonomia: A criança sente que tem voz e controlo sobre o seu ambiente, aumentando a sua autoeficácia e a probabilidade de adesão à regra.
Melhora a Comunicação: O processo exige a negociação e a escuta ativa, ferramentas essenciais para a resolução futura de conflitos.
II. O Processo de Construção de Regras (Quatro Etapas)
A construção de regras com crianças deve ser feita através de um processo estruturado e consistente.
Etapa 1: Definição das Necessidades (O "Porquê")
Foco na Segurança e Valor: O adulto deve iniciar a conversa identificando a necessidade fundamental, e não o comportamento incorreto.
Exemplo: Em vez de dizer "Não se grita!", comece por perguntar: "Porque é que precisamos de ter silêncio quando estamos a estudar/falar ao telefone? Qual é a importância de nos ouvirmos?"
Comunidade de Regras: Envolva a criança na identificação dos valores essenciais (Respeito, Segurança, Cooperação).
Etapa 2: Formulação da Regra (O "O Quê")
Regras Positivas e Claras: As regras devem ser formuladas de forma positiva (dizendo o que deve ser feito, e não o que não pode ser feito) e devem ser específicas.
Mau Exemplo: "Não desarrumes tudo."
Bom Exemplo Participativo: Adulto: "O que podemos fazer para garantir que a sala fica arrumada antes do jantar?" Criança: "Pomos os brinquedos na caixa." Regra: "Arrumar os brinquedos antes do jantar."
Etapa 3: Definição das Consequências (O "E Depois")
Este é o passo mais crítico para a responsabilidade. As consequências devem ser lógicas, previsíveis e relacionadas com o comportamento.
Lógica e Conexão: A criança deve participar na definição das consequências, garantindo a sua lógica.
Exemplo: Se a regra é "Tratar os livros com cuidado", a consequência lógica de rasgar um livro é participar no processo de o reparar (Consequência Lógica), e não perder a sobremesa (Consequência Arbitrária).
Consistência: A regra só tem valor se a consequência for aplicada de forma consistente por todos os cuidadores.
Etapa 4: Documentação e Revisão
Visualização: Escrever ou desenhar as regras e as consequências e colocá-las num local visível (por exemplo, o "Contrato de Família").
Revisão Periódica: As regras devem ser revistas e atualizadas à medida que a criança cresce ou o ambiente muda. Perguntar periodicamente: "Esta regra ainda está a funcionar para nós?"
Capacitar para a Responsabilidade
A construção participativa de regras é uma ferramenta poderosa de intervenção psicopedagógica e de desenvolvimento. Ao serem convidadas a participar na gestão do seu próprio comportamento, as crianças não só aprendem a obedecer, como também desenvolvem as competências cruciais de negociação, empatia e responsabilidade que serão a base da sua cidadania futura. A regra torna-se, assim, uma ferramenta de capacitação, e não de coerção.


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