A cumplicidade entre avós e netos é uma das mais belas formas de expressão da parentalidade amorosa entre gerações.
O António (nome fictício) é fruto de uma geração, onde o grau de ocupação dos pais era já elevado, mas, ao contrário da realidade atual, era vivenciado de forma privilegiada por “ter sempre alguém lá em casa”.
Os seus avós sempre viveram consigo (com tudo o que isso significa) e por isso, quanto maior o número de elementos, maior a probabilidade de surgirem, naturalmente, discórdias e problemas. Com todos em casa, o António assistia a dois mundos conviventes: por um lado, o olhar, por vezes, severo e castigador dos pais e, por outro, o olhar dócil e compreensivo dos avós.
Esses mundos apartavam-se ainda mais, quando os pais iam trabalhar…. Aí, abriam-se portas de um mundo fantástico, pleno de descobertas e possibilidades, sob o olhar atento, mas discreto, dos avós. Entre quedas e ergueres, entre aprendizagens e dores sentidas, estava a ser construído um caminho rumo ao futuro, envolvido com certezas e vontades que, sem por isso fazer, moldavam uma confiança e uma estima suficientemente fortes para hoje, o António, ser convicto, seguro e determinado na sua vida.
Os seus primeiros 5 anos de vida, diariamente vivenciados com os avós, enraizaram no próprio, valores como o respeito, entalhado na forma de compreensão e sinceridade, empatia e generosidade. Nestas vivências havia sempre lugar para a compreensão, que não significava “desculpa”, pois os “castigos” também existiam, mas sempre explicados e aplicados democraticamente de quase “comum acordo”.
Os ensinamentos estavam sempre presentes e esteve bem definido um dos maiores de todos: o Saber Pensar! Ter a capacidade de sentido crítico e opinião própria, quase como que a assinatura da criação de uma consciência própria, sendo o mais sublime, a capacidade de compreender que o próprio tinha uma opinião singular e que lhe era permitida, desde que devidamente argumentada.
Outro grande ensinamento entalhava na atenção dada ao outro: estar atento ao mundo e às pessoas, numa atitude plena de disponibilidade e desprendimento sem nunca julgar. Com os avós, aprendeu, também, a importância dos afetos, do abraço, do cumprimento, do parar para ajudar, da generosidade genuína, sem esperar nada em troca… E que bem sabia deitar na almofada, ao fim do dia, e sentir a atitude de missão cumprida e que tudo o que era possível tinha sido feito!
E o mais extraordinário é que estas ações não aconteciam porque os avós lhe diziam para o fazer, mas porque o petiz os via a fazer, a servir de modelos, a educar pelo exemplo, em ações diárias concretas e espontaneamente a transmitirem um legado para a vida! Desta forma, o António foi uma criança com o privilégio de crescer no meio da Natureza, em que o respeito pela mesma, o não desperdício e a reciclagem de materiais passaram por si, desde cedo.
Curioso facto era esta partilha ser bidirecional, já que os seus amados avós faziam também as suas “asneiras”, nalguns comportamentos e nos horários não tão formatados como o aconselhável. Sob o olhar atento, mas compreensivo do António, tudo era suplantado por um enorme sorriso da parte deles, adornado com um matreiro “shhhhhh”, com o dedo encostado ao nariz… E à noite, ao jantar, com a família reunida, quantos olhares cúmplices eram gerados, como que a dizer “temos segredos só nossos”.
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